A Cor do Silêncio
“O branco cobre uma multitude de pecados”. (Jonathan Milne) [1]
bran·que·ar - (branco + -ear) [1]
verbo transitivo
1. Dar cor branca a. = EMBRANQUECER
2. Tornar mais branco ou mais claro.
3. Fazer criar cãs ou cabelos brancos. = ENCANECER
4. Limpar metais no branquimento.
5. Fazer desaparecer toda a prova da sua origem irregular ou fraudulenta (ex.: branquear dinheiro, branquear capitais).
6. [Figurado] Fazer desaparecer o carácter negativo de (ex.: branquear uma ideologia).
7. [Culinária] Dar uma fervura. = FERVER
verbo intransitivo
8. Apresentar cor branca. = ALVEJAR, BRANQUEJAR
9. Tornar-se branco. = CORAR
Pertencendo ao domínio do simbólico, a cor, mais do que um simples mecanismo fisiológico e um fenómeno físico, é sobretudo ligada a aspectos culturais e psicológicos. O branco tem sido associado à pureza, inocência, limpeza, paz, felicidade, trégua e neutralidade. É visto como símbolo de bondade, beleza e perfeição. Apesar de toda a simbologia a ele associada, o branco não é assim tão inocente como normalmente julgamos. Ao longo da história, a cor mais pura tornou-se, em algumas ocasiões, a cor que revela o lado mais obscuro do instinto humano. A cor do totalitarismo, da separação, do preconceito, da intolerância, cor que divide, que exclui, que controla [2].
Como afirma Grada Kilomba, "o branco não é uma cor, mas uma definição política, que representa privilégios históricos, políticos e sociais de um certo grupo que tem acesso às estruturas dominantes e instituições da sociedade [3].
A reacção química da água sanitária sobre o tecido alude metaforicamente a um “branqueamento do pensamento”, marcadamente etnocentrista. A marca do preconceito, assim como a da água sanitária, é profunda e permanente.
“Através da ideia de branqueamento como sinónimo de purificação, revela-se na obra de Letícia Barreto a intenção do discurso de origem colonialista de justificar ou reforçar a ideologia de inferioridade racial dos não-brancos. Através de uma espécie de apagamento decorrente do uso de água sanitária e abrasão para descolorir as superfícies sobre as quais trabalha, a artista sugere um tipo de esquecimento, como se o branco pudesse ocultar ou sobrepor-se ao negro. Trata-se de um ataque que despigmenta a superfície, quer seja tecido ou fotografia, fazendo que permaneça apenas um vislumbre, a sombra de uma cultura negligenciada. Neste palimpsesto, a luz que deveria servir para clarear, esclarecer, aparece para ocultar, ofuscando a visão de quem tenta observar mais de perto a aparente verdade dos fatos. O branco torna-se silêncio, ausência, esquecimento, varrendo a diferença, que ao invés de valorizada é exotizada e levada a categoria do bizarro.”
Fernanda Monteiro (Curadora)
[1] "branquear", in Dicionário Priberam da Língua Portuguesa [em linha], 2008-2013, https://www.priberam.pt/dlpo/branquear [consultado em 08-06-2017].
[2] James Fox. BBC – The History of Art in Three Colours – White.